Dengue

Dengue: O que você deve saber se esta usando medicamentos para o Coração


A dengue é causada por vírus do gênero Flavivirus, gênero esse composto por vírus RNA transmitidos, na maioria das vezes, por um artrópode, podendo causar doença em humanos. Outros vírus que causam doença de importância clínica são os da febre amarela e da encefalite japonesa(1).
A dengue tem ampla distribuição em áreas tropicais, ocorrendo de forma endêmica e eventualmente epidêmica. É transmitida por mosquitos do gênero Aedes, principalmente Aedes aegypti, cuja distribuição e adaptação em ambientes urbanos e peridomiciliares explica a predominância da dengue em cidades. A doença ocorre com a introdução de paciente virêmico em ambiente onde há concentração suficiente de vetores, e torna-se epidêmica com grandes aumentos na concentração desses. O vírus subdivide-se em quatro sorotipos, que não conferem imunidade cruzada.
No Brasil, à semelhança de outros países da faixa tropical, a doença é endêmica com períodos epidêmicos. 

Aspectos clínicos da dengue
A maioria dos casos de dengue é autolimitada, cursando com quadro inespecífico de febre, mal-estar e fraqueza. Mais caracteristicamente, intensa dor muscular e cefaléia retro-ocular podem ocorrer, com ou sem rash cutâneo. Laboratorialmente, aumento de enzimas hepáticas, leucopenia e plaquetopenia são alterações compatíveis, mas não específicas da dengue(1).
As formas mais graves incluem a síndrome do choque por dengue e a dengue hemorrágica. O choque é decorrente de importante alteração da permeabilidade capilar e grande extravasamento de plasma para sítios extravasculares, A dengue hemorrágica desenvolve-se, em geral, em conjunto com choque e ocorre após período de dois a sete dias após defervescência. Clinicamente, não é possível distinguir aqueles pacientes que vão evoluir com a forma hemorrágica daqueles com manifestação autolimitada. 
A dengue hemorrágica é manifestação rara e ocorre quase que exclusivamente em pacientes com experiência anterior, sugerindo fisiopatologia associada a hiper-resposta imune mediada por anticorpos heterólogos.

Plaquetopenia e plaquetopatia
Quanto às plaquetas, pode haver plaquetopenia e plaquetopatia. A plaquetopenia pode ser secundária à menor produção medular de plaquetas e também da maior destruição periférica. Já se evidenciou que durante a fase aguda febril da dengue hemorrágica, a medula óssea apresenta-se acentuadamente hipocelular, com redução de todas as linhagens celulares. Esses achados foram, posteriormente, demonstrados como devidos à ação direta viral sobre as células do estroma medular e sobre as células progenitoras hematopoéticas. Dois dias antes do período de defervescência, observa-se hipercelularidade da medula óssea, com aumento das células precursoras das três linhagens celulares medulares.
São ainda descritas alterações funcionais das plaquetas, evidenciadas através de hipoagregação induzida pelo ADP, com menor secreção de ADP intraplaquetário, e aumento das concentrações plasmáticas de betatromboglobulina e fator plaquetário 4. Esses achados são compatíveis com ativação plaquetária in vivo decorrente de ativação por imunocomplexos. A função plaquetária retorna às suas condições normais duas a três semanas após a fase inicial do período de convalescença(5).

Alterações da coagulação
Durante o período febril, observam-se reduções variáveis da atividade de diferentes fatores da coagulação, como fibrinogênio, fator V, fator VII, fator VIII, fator IX e fator X, além da antitrombina e da a2-antiplasmina. Essas alterações justificam os prolongamentos discretos do tempo de protrombina e tempo de tromboplastina parcial ativada. São descritas elevações das concentrações dos produtos de degradação do fibrinogênio/fibrina (PDF) e dos dímeros-D(5).
Em decorrência dessas alterações da hemostasia, o uso do ácido acetilsalicílico, de antiinflamatórios não-hormonais e administração de grandes quantidades de expansores de volume (Dextran 40 e Haemacel) são considerados fatores de risco para sangramentos(6).

Implicações da interrupção de antitrombóticos em cardiopatas com dengue
A decisão de interromper antiagregantes plaquetários e anticoagulantes em pacientes com dengue depende de uma complexa avaliação de risco-benefício dessas terapêuticas. Devemos considerar paralelamente o risco da interrupção de antitrombóticos em diversos cenários clínicos, e o risco hemorrágico da infecção viral aguda.
Pacientes com angioplastias recentes, fibrilação atrial crônica (FAC) e portadores de próteses valvares metálicas são os que mais se beneficiam de antiagregantes e anticoagulantes, em longo prazo. A interrupção do tratamento promove incremento do risco trombótico de modo diferente em cada cenário clínico descrito a seguir.
Após a colocação de um stent, o tratamento com ácido acetilsalisílico (AAS) e tienopiridínicos (ticlopidina ou clopidogrel) é obrigatório e reduz drasticamente o risco de trombose aguda e subaguda intra-stent, além de eventos cardiovasculaes adversos(14). Um estudo com 1.653 pacientes submetidos a angioplastia com stent evidenciou redução de 3,6% para 0,5% no risco de eventos adversos em 30 dias, quando tienopiridínicos foram associados ao AAS(15). As recomendações atuais sugerem que, além do AAS, clopidogrel seja utilizado por no mínimo um mês após stents não-farmacológicos, três meses após stents revestidos com sirolimus, seis meses para plaxitel e, idealmente, 12 meses para todos, se não forem de alto risco hemorrágico(16). Recentemente, a ocorrência de trombose tardia (após um ano) de stents farmacológicos levantou a discussão sobre a possibilidade de tratamento prolongado por tempo indeterminado com clopidogrel. Entretanto, a interrupção precoce de antiagregantes plaquetários, no primeiro mês após o tratamento com stents, pode ser devastadora, com incidência de até 30% de trombose aguda ou subaguda intra-stent(17).
Pacientes com FAC devem ser tratados com antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes, para prevenção de trombose atrial e acidente vascular cerebral (AVC) cardioembólico. Os anticoagulantes devem ser preferidos naqueles pacientes com maior risco embólico (disfunção ventricular, idosos, hipertensos, diabéticos, valvopatas, ou com AVC prévio). Conforme a quantidade de fatores de risco, o risco anual de AVC em pacientes não anticoagulados pode variar entre 3% e 20%(18). Uma metanálise demonstrou redução de 62% no risco de AVC com anticoagulantes em pacientes com FAC(19).
Pacientes submetidos a implante de próteses valvares metálicas beneficiam-se de anticoagulação para prevenção de trombose valvar. Aqueles com próteses em posição mitral têm maior risco do que em posição aórtica. A presença de prótese de Starr-Edwards, antecedente de FAC, tromboembolismo prévio, mais de uma válvula mecânica e posição tricúspide também conferem maior risco trombótico. Entretanto, mesmo em pacientes com válvulas mecânicas, o risco de trombose anual sem a proteção da varfarina é de cerca de 20%(20). Portanto, a interrupção de varfarina por alguns dias não representa risco trombótico proibitivo.

Conclusão e recomendações
Em virtude da baixa incidência de dengue hemorrágica e da dificuldade de predizer, inicialmente, quais pacientes vão evoluir com quadro hemorrágico, podemos sugerir as seguintes medidas em relação à suspensão de antitrombóticos nas seguintes situações clínicas cardiológicas:
1) Todos os pacientes com dengue
O AAS deve ser evitado nos pacientes com Dengue por dois motivos:
O primeiro deles é a possibilidade da Síndrome de Reye. Apesar de rara, a síndrome de Reye, grave encefalopatia associada a hepatite, pode ser desencadeada por AAS em pacientes com diversas viroses, tais como varicela, influenza e dengue. Apesar de mais comum nas crianças, adultos também podem ser acometidos.
O segundo motivo é o risco de plaquetopenia pela dengue, que pode ser agravada pelo uso concomitante de antiagregantes plaquetários.
Recomendação: Todos os pacientes com dengue devem evitar AAS por uma semana, para redução do risco de síndrome de Reye e plaquetopenia grave. Em pacientes com alto risco de trombose, antiagregantes podem ser mantidos desde que as plaquetas sejam monitorizadas periodicamente (ver adiante).
2) Pacientes com dengue e alto risco de trombose em curto prazo
• Pacientes submetidos a angioplastia coronária com stents recentemente (um mês para não farmacológico, e três a seis meses para farmacológico).
• Portadores de próteses valvares mecânicas, particularmente em posição mitral, tricúspide, ou com FAC associada, tromboembolismo prévio ou mais de uma válvula mecânica.
• Portadores de FAC com múltiplos fatores de risco trombótico (disfunção ventricular, idosos, hipertensos, diabéticos, valvopatas, AVC prévio, trombo intracavitário).
Recomendação: Manter clopidogrel e AAS, naqueles que já recebiam. Suspender warfarina e substituir por heparina assim que INR estiver abaixo da faixa terapêutica. Reintroduzir varfarina após uma semana. Monitorizar seriadamente plaquetas e coagulograma até uma semana. Suspender as medicações, se contagem plaquetária igual ou inferior a 50.000/mm3, sangramento ou choque. Pode-se considerar a suspensão do clopidogrel e AAS de acordo com a intensidade da redução progressiva do número de plaquetas.
3) Pacientes com dengue e pequeno risco de trombose em curto prazo
• Portadores de doença arterial coronária estável.
• Pacientes submetidos a angioplastia coronária com stents há mais de seis meses.
• Portadores de FAC sem fatores de risco trombóticos (ou com um apenas).
• Portadores de prótese valvar biológica.
Recomendação: Suspender AAS. Considerar suspensão de clopidogrel e varfarina por uma semana.
4) Pacientes com dengue hemorrágica
Recomendação: Suspensão imediata de todos os antitrombóticos.

Referências
1. Tsai TF, Vaughn DW, Solomon T. Flaviviruses, In Mandell GL, Bennett JE, Dolin R (eds.). Principles and practice of infectious diseases. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Combate a dengue. [acesso em 2006 julho 10]. Disponível em URL: http://portal.saude.gov.br.
3. Isarangkura P, Mahasandana C, Chuansumrit A, Angchaisuksiri P. Acquired bleeding disorders: the impact of health problems in the developing world. Haemophilia. 2004; 10 (Suppl. 4): 188-95.
4. Malavige GN, Fernando S, Fernando DJ, Seneviratne SL. Dengue viral infections. Postgrad Med J. 2004; 80: 588-601.
5. Chuansumrit A, Tangnararatchakit K. Pathophysiology and management of dengue hemorrhagic fever. Transfusion Alternatives in Transfusion Medicine. 2006; 8 (Suppl 1): 3-11.
6. Wilder-Smith A, Schwartz E. Dengue in travelers. N Engl J Med. 2005; 353: 924-32.
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9. Khongphatthallayothin A, Chotivitayatarakorn P, Somchit S, Mitprasart A, Sakolsattayadorn S, Thisyakorn C. Morbitz type I second degree AV block during recovery from dengue hemorrhagic fever. Southeast Asian J Trop Med Public Health. 2000; 31: 642-5.
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